Álvaro Guimarães e Sousa (1923- 2023) foi precursor da prática da Cirurgia Plástica em Portugal, a quem a especialidade muito ficou a dever, faleceu no passado dia 20 de fevereiro de 2023.
Licenciou-se na Faculdade de Medicina do Porto em 1950, conseguindo ultrapassar um momento pessoal difícil.
De seguida iniciou a formação em Cirurgia Geral do Hospital Geral de Santo António no Porto, durante 5 anos. Motivado pela leitura de um artigo relatando a reconstrução de um membro inferior por um cirurgião plástico inglês, decidiu em 1955, partir para Inglaterra para aí se especializar em Cirurgia Plástica.
Tinha como referencia em Londres Ruela Ramos, o primeiro anestesiologista do Porto, que conhecia bem do hospital onde ambos trabalhavam. Mal chegado Londres, numa noite fria e chuvosa de janeiro, logo o procurou após a longa viajem efetuada de carro.
Dois dias depois, recuperado da extenuante viagem estava já a trabalhar em Oxford, no Nuffeld Department of Plastic Surgery do Churchill Hospital, serviço dirigido por Tomas Pomfret Kilner (1890-1964). Na altura era o único professor de cirurgia plástica no Reino Unido que, tal como Gillies, tinha adquirido experiência na 1.ª Guerra Mundial, tratando pilotos queimados e feridos em combate.
Algum tempo depois, a conselho de Kilner, optou por continuou a formação em Bristol, como Senior House Officer, no Department of Plastic and Jaw Surgery do Frenchay Hospital, onde passou três anos.
Terminada a formação no ano de 1959, foi convidado para regressar novamente a Oxford, ao Churchill Hospital, agora como Senior Registrar, lugar que ocupou por um curto período de tempo dado que, por motivos familiares imperiosos, teve que regressar ao Porto .
Entretanto, um ano antes de regressar, em 1959, durantes as férias, tinha requerido ao conselho Regional Norte da Ordem dos Médicos o reconhecimento da especialidade adquirida em Inglaterra e que em Portugal não existia. Durante sete anos lutou para que a Cirurgia Plástica fosse considerada uma especialidade autónoma da Cirurgia Geral numa altura em que, no país a grande maioria dos cirurgiões, a Ordem dos Médicos e até algumas Faculdades de Medicina desconheciam a especialidade e o seu âmbito de atuação.
Como resultado das suas diligencias e insistência, é publicado pelo Ministério das Corporações e Previdência Social o Dec. lei 1059 de 2 de dezembro de 1964 – tendo por base o parecer favorável da Junta Nacional de Educação, ouvidos três professores de cada uma das Faculdades de Medicina( um votou contra) – , autorizando a Ordem dos Médicos a criar a especialidade.
Nascia assim em 4 de novembro de 1966, a nova especialidade – Cirurgia Plástica e Reconstrutiva.
O título foi então atribuído por consenso, a vinte cirurgiões que o solicitaram, por um júri presidido por Professor Álvaro Rodrigues, cirurgião geral, cujo serviço que dirigia no H S João-FMP no Porto, contava com dois especialistas em cirurgia Plástica – Prata de Lima e depois Flávio Guimarães.
Tinha finalmente, sido dada continuidade ao parecer favorável emitido em 1959 pelo relator do conselho regional norte da OM, Artur Giesteira de Almeida (professor de cirurgia geral), na sequencia do requerimento entregue por Guimarães e Sousa, aquando das suas férias em 1959.
Antes disso, em meados de 1961 juntamente com doze colegas que praticavam cirurgia reconstrutiva no Porto e em Lisboa, criaram a Sociedade Portuguesa de Cirurgia Plástica Reconstrutiva e Estética. Mais tarde viria a ser eleito secretário-geral e vice-presidente da sociedade.
De forma idêntica, juntamente com onze colegas, a maioria cirurgiões Plásticos e alguns ortopedistas, fundaram em 1967, a Sociedade Portuguesa de Cirurgia da Mão.
Álvaro Guimarães e Sousa era já, desde 1960, diretor do primeiro Serviço de Cirurgia Plástica Reconstrutiva em Portugal, no Hospital Geral de Santo António, no Porto, tendo-se se submetido para tal a exame e demonstrado competência cirúrgica ao operar perante o júri, um doente com doença de Dupuytren, anestesiado curiosamente, por Ruela Ramos, o colega que procurou mal chegou a Londres.
Inicialmente o serviço ocupava um espaço cedido pelo diretor de cirurgia geral, José Aroso ( cirurgião que durante a I guerra foi médico do Corpo Expedicionário Português), e um ano mais tarde, transferiu-se para um espaço próprio, mais amplo, para uma área libertada pela Faculdade de Medicina do Porto que pouco tempo antes se tinha transferido para o recém inaugurado Hospital S. João. Passou a dispor de sete camas para internamento, a juntar a seis disponibilizadas, para tratar queimados no serviço de pediatria.
Também desde 1967 com vista a melhorar e alargar as condições de trabalho da especialidade empenhou-se no planeamento e na operacionalização do projeto de um novo Hospital para o qual planeou um serviço de cirurgia Plástica com 80 camas e uma Unidade de Queimados com 10 camas e bloco operatório autónomo. Foram tantas as adversidades que o projeto do Hospital da Prelada só se viria a ser concretizado 21 anos depois, em 1988.
Entretanto, em 1968, tendo por mero acaso visitado o antigo Sanatório Rodrigues Semide no Porto, constatou haver aí muito espaço livre. Face a espectativa do atraso na construção do novo Hospital, tratou de criar as condições para transferir para esse novo espaço o serviço que dirigia, para uma área bastante mais ampla e com a possibilidade de dispor de bloco operatório exclusivo para os doentes de cirurgia plástica.
Em 1988 assistiu à concretização do seu sonho , a abertura do novo serviço cirurgia Plástica no Hospital da Prelada, dispondo de todas as condições e tendo como diretor um dos seus colaboradores.
Muito próximo do final da carreira, em 1991, decide deixar a cidade do Porto passando a viver na sua propriedade, no ambiente rural do vale do Rio Lima, tendo ainda exercido durante dois anos, no hospital de Viana de Castelo.
Desde o seu regresso de Inglaterra sempre exerceu clinica pública e privada, nomeadamente na Casa de Saúde da Boavista.
Em 1993, deu por fim toda a atividade clínica.
Guimarães e Sousa foi sem dúvida o grande impulsionador da Cirurgia Plástica Reconstrutiva, tendo tido um papel relevante no início e na evolução da especialidade em Portugal.
Formou doze cirurgiões de grande gabarito, cinco dos quais nomeados mais tarde diretores de serviços de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva em vários hospitais.
Álvaro Guimarães e Sousa tinha uma forte presença física, que intimidava, contudo era um colega afável, interessado e culto, denotando claramente no convívio, que Inglaterra o tinha marcado muito para alem da formação em cirurgia.
Teve uma vida longa, viveu lucido e autónomo até poucos dias antes de falecer na sua propriedade no norte do País, na região de Viana do Castelo.